domingo, 9 de outubro de 2011

A falta é um Monstro de Capa.


Eu pagaria imposto a Deus para não sentir sua falta. É como um surto. Naquelas noites em que a gente sonha que se está caindo, depois acorda sentado na cama olhando pra parede branquinha. É inevitável. Como quando o monstro do armário estremece as gavetas e insiste em sair. Como quando você não deixa nenhuma parte do corpo para fora da cama com medo de que esse monstro saia de debaixo dela e te puxe freneticamente. É como entrar no chuveiro e sentir que alguém está te vendo. Ou como colocar fones no ouvido, aumentar o volume e ouvir alguém te chamar. É escovar os dentes com pressa, errar no movimentar da escova e machucar a gengiva. É o apertar do interruptor para apagar a luz e o dar de ombros olhando entre os ombros para observar se alguém está te olhando, e depois deitar na cama como alguém que é observado. Eu sentia isso quando tinha, quem sabe, dez anos. Era medo de um monstro de verdade que só existia na minha imaginação. E hoje o monstro continua sendo imaginário, mas vestiu uma capa. A capa da falta. Esse medo cresceu como eu cresci. Tornou-se medo de que você seja feito da mesma substância etílica dos sonhos. E como éter, evapore. E isso me assusta como deve ser a alguém muito pobre encontrar um carro forte abandonado. O assustar como deve ser a alguém muito rico perder tudo que têm. É a sutileza do baldio de um terreno inabitável, inexistente. Onde só você pode construir, porque só você consegue ver.  Porque é a falta que faz o medo e é o medo que compõe a falta. O medo de que o que quase não começara tenha fim. O medo de que o imposto pago a Deus para não sentir sua falta, seja insuficiente. É o que Alice sentiu ao cair na toca do coelho. É o que Pinóquio sentiu quando descobriu que não era um menino de verdade. É ser Peter Pan e habitar a terra do nunca nessa terra de verdade. O monstro vestiu essa capa da falta que eu sinto de você, e me assusta assim como o monstro sem capa me assustava quando eu tinha dez anos. 


SuyanDionizio